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O Globo analisa aumento do sarampo nas Américas

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Recusa de pais a imunizar filhos e “festas do sarampo” favorecem casos importados ou relacionados à importação no continente. A presidente da SBIm, Isabella Ballalai, comenta. Leia.

Surto de sarampo em EUA, Europa e Brasil revela problema de gestão e medo de imunização

Por Antonella Zugliani e Raphael Kapa
Publicado originalmente n’O Globo

O sarampo ainda afeta cerca de 20 milhões de pessoas anualmente no mundo, e está muito mais presente em áreas pobres da Ásia. Ainda assim, segundo a Organização Mundial de Saúde (OMS), a infecção é a que teve a maior queda nos últimos dez anos. A novidade, hoje, é que o problema não está somente nos países com difícil acesso à imunização. O avanço dos registros em algumas parte do mundo, e que já ameaça as Américas do Sul, Central e do Norte de perderem a certificação de erradicação da doença, pode ser consequência de problemas pontuais de gestão na saúde pública, como no caso do Ceará, mas também da decisão de muitos pais de não vacinarem seus filhos, como nos EUA. Os EUA tinham dado a doença por erradicada em 2000.

— O problema de acesso existe, mas foi praticamente resolvido no Brasil, onde houve
surtos isolados, como o que acontece agora no Ceará, cujas causas precisam ser estudadas. Mas também existe a decisão, principalmente entre os mais jovens, que não viveram os grandes surtos de sarampo, de não vacinarem seus filhos. Este movimento não é tão disseminado no Brasil, mas causa transtornos. Em 2012, ocorreu em São Paulo um surto que afetou, em sua maioria, crianças de classe média alta cujos pais acreditavam que não era necessário vacinar — afirma Cláudio Maierovitch, diretor de Vigilância das Doenças Transmissíveis do Ministério da Saúde. — Trata-se de um movimento com bases filosóficas, mas que carrega uma carga de ignorância. A vacina é absolutamente segura e com grau de eficácia muito alto.

Essa ideia da não-vacinação do sarampo pode potencializar a disseminação da doença. O atual surto americano se tornou prioridade para o Centro de Controle de Doenças (CDC, na sigla em inglês). O ano de 2014 foi o pior das últimas duas décadas em número de registros. Praticamente todos os 644 casos foram importados de países onde o sarampo não foi controlado, mas a doença se espalha nos EUA graças a pessoas não vacinadas. Dos 141 casos registrados desde janeiro, 113 estão ligados diretamente à epidemia que começou na Disney da Califórnia e que foi facilitada, segundo o CDC, pelo crescente número de famílias que optam por não vacinar seus filhos contra uma das doenças mais infecciosas do mundo.

No início do mês, houve rumores de que famílias na Califórnia estavam promovendo “festas de sarampo”, ressuscitando um hábito, anterior à vacina, de reunir crianças saudáveis e infectadas, para que os pais pudessem tratar de seus filhos nos estágios mais precoces da doença e, assim, imunizá-los.

EUA Condenam as "festas do sarampo"

Mas as autoridades de saúde pública dos EUA se apressaram em divulgar comunicados contra essa prática, que expõe crianças a um “risco desnecessário”.

— O sarampo é bastante contagioso e se dissemina rapidamente quando há pessoas não imunizadas. É preciso manter a vacinação com ampla cobertura para que a doença não volte em larga escala. Se todas as pessoas forem vacinadas com as duas doses, mesmo que o vírus seja introduzido no país por algum viajante, não terá como circular, e o sarampo ficará restrito ao caso inicial. Notícias veiculadas com informações equivocadas sobre a vacina podem atrapalhar a ampla imunização — afirma Reinaldo de Menezes Martins, consultor científico de Bio-Manguinhos/Fiocruz.

Parte das famílias que decidem não vacinar seus bebês se apega a um estudo científico de 1998 que ligava a vacina contra o sarampo ao autismo. Mas o mesmo estudo foi considerado fraudulento anos depois e seu autor, o britânico Andrew Wakefield, condenado. A presidente da Sociedade Brasileira de Imunizações (SBIm), Isabella Ballalai, reforça a ideia de que a imunização não é um ato individual:

— Ao se proteger, o indivíduo reduz a circulação do vírus e preserva a saúde de outros que não podem receber a vacina, caso de imunodeficientes, menores de 6 meses e pessoas que têm alergia a algum componente.

No Ceará, a política de vacinação mudou com a chegada do surto. A Secretaria estadual de Saúde está visitando a casa dos moradores, fazendo mutirões de vacinações e campanhas de conscientização nas ruas e até divulgando web-aulas, em que se pode acompanhar a situação do estado no enfrentamento da doença semanalmente. A imunização de adultos, acima de 49 anos e em dúvida se já tomaram a vacina, é um dos focos das ações por serem considerados grupo de risco. O governo estadual também mantém reuniões semanais com o Ministério da Saúde e com a Organização Pan-Americana da Saúde (Opas).