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SBIm e IQC debatem estratégias de combate à desinformação sobre vacinas

“Desafios da Comunicação em vacinas no ambiente pós-confiança” foi o tema do curso promovido pela SBIm e o Instituto Questão de Ciência, no dia 29 de julho, no Rio de Janeiro. O encontro teve com objetivos debater o aspecto histórico, as causas e as consequências da hesitação vacinal, bem como buscar estratégias mais eficazes para combater a desinformação. Fake news relacionadas a vacinas estão entre os motivos da queda nas coberturas vacinais, que, apesar de acentuada na pandemia, começou em 2016.

Números do Datasus indicam, por exemplo, que a adesão às primeiras doses da BCG, poliomielite e tríplice viral em 2021 foram de apenas 69,05%, 69,93% e 73,49%, respectivamente — os mínimos esperados são 90%, 95% e 95%. Os índices inadequados põem em risco conquistas históricas, como a eliminação da pólio, da rubéola e da síndrome da rubéola congênita, e o controle de outras enfermidades. O retorno do sarampo, que chegou a ser eliminado, é uma prova de que a preocupação não é exagerada.

Em âmbito global, a Organização Mundial da Saúde (OMS) e o Fundo de Emergência Internacional das Nações Unidas para a Infância (Unicef) alertaram que 2021 marcou o maior recuo sustentado na adesão às vacinas das últimas três décadas. A cobertura atual para três doses de DTP é de somente 81% — o ideal é acima de 95%. Isso representa 25 milhões de crianças com o esquema incompleto, das quais 15 milhões não receberam nenhuma dose.

Na abertura, o presidente da SBIm, Juarez Cunha, destacou que a hesitação vacinal foi listada pela OMS — em 2019, antes da pandemia — como uma das dez maiores ameaças à saúde pública. O médico também celebrou a oportunidade de dialogar com importantes atores do setor, entre os quais representantes da OPAS, PNI, Conass, Conasems, SBP e Soperj, SBI, Febrasgo e ABTO. “Agradeço bastante a presença de todos e a parceria com o IQC. Esse é o primeiro encontro, mas já temos outras atividades em andamento”, adiantou.

Clóvis Constantino, presidente da SBP, classificou o evento como necessário, especialmente nas circunstâncias políticas conturbadas pelais qual o Brasil passa. “O ideal é que não fosse preciso promover esse encontro, mas nossas crianças, cujos pais foram vacinados, não estão sendo vacinadas. Isso nos preocupa. Vamos seguir em frente. Vamos trabalhar”, convocou.

A presidente do IQC, Natalia Pasternak, afirmou que, apesar de ser um fenômeno recente no Brasil, a desconfiança sobre vacinas não é nova. Estados Unidos e França lutam contra o problema de forma intensa há muitos anos. Segundo a microbiologista, é o momento de aprender com a experiência dos demais países, analisar o cenário nacional e entender como cada profissional de saúde pode colaborar. “O grupo que está aqui na sala é um forte candidato a desenvolver um projeto para entendermos com clareza de que maneira somos afetados e o que fazer”, ressaltou.

Museu de grandes novidades

Como eternizado por Cazuza na música “O Tempo não para”, não é de hoje que “ideias não correspondem aos fatos”. Todos podemos dizer, claramente, que estamos vendo “o futuro repetir o passado”. No início do século XVIII, a aristocrata britânica Mary Montagu trouxe para o ocidente a técnica de inoculação do vírus da varíola como forma de prevenir a doença, que aprendera quando morou na Turquia. Mulher e sem formação na área, foi alvo de desconfiança da comunidade médica e taxada como ignorante.

Embora a técnica não fosse a mais segura, era o que de melhor havia na época e com o passar do tempo foi aceita e incorporada na sociedade. Quando Jenner criou a primeira vacina, em 1796, a partir da versão bovina do vírus da varíola, enfrentou grande resistência. A população preferia a inoculação — mais arriscada, mas conhecida — e os médicos atacavam a credibilidade de Jenner porque ele também desenvolvia pesquisas com pássaros.

“É muito complicado alterar os hábitos das pessoas a partir de informações científicas, especialmente as percebidas como novas. A história se repete porque existe uma dificuldade em aceitar avanços da ciência que impliquem mudanças de comportamento ou uma noção de percepção de perda de liberdade”, avalia Pasternak, em referência tanto às posteriores estratégias de obrigatoriedade de vacinação contra a varíola quanto ao uso de máscaras e medidas de distanciamento social contra a covid-19.

Hoje, evidentemente, a escala é muito maior. A evolução tecnológica, com o advento da internet e a popularização das redes sociais, eliminou fronteiras. Vivemos a era da infodemia, em que o excesso de informações torna mais difícil distinguir o que é ou não real. “A infodemia se comporta como qualquer enfermidade: tem epidemiologia, sintomas, portadores conhecidos e até tratamentos”, pondera Ballalai.

É muito importante diferenciar a informação equivocada, fruto de medo ou confusões, da desinformação, criada de forma deliberada por grupos que têm interesses ? geralmente financeiros ? na difusão da mentira. “Desinformação intencional é um crime de saúde pública”, defende Ballalai, ao lembrar que inúmeras pessoas deixaram de se vacinar ou se submeteram a tratamento ineficazes após serem enganadas.

“Quantas pessoas morreram por isso? Em vez de nos juntarmos contra a covid-19, iniciamos uma batalha do bem contra o mal. A infodemia, com o crescimento do antivacinismo, pode destruir o Brasil”, lamentou.

A ciência está em descrédito?

Para o presidente do Departamento de Ciências Biológicas da Universidade de Columbia, nos Estados Unidos, Stuart Firestein, a resposta é não: as pessoas continuam a confiar na ciência. Um bom indicativo é o alto número de produtos que utilizam a expressão “comprovado cientificamente” como atrativo para vendas. O pesquisador, no entanto, vê um grande desconhecimento da população sobre medicina e em outras áreas. No evento, ele citou pesquisas que indicaram que 25% dos ingleses não sabiam a temperatura da água fervente e que 60% não sabiam o autor da Monalisa.

Firestein vê problemas no sistema educacional. Aos alunos é ensinada nas salas de aulas uma ciência baseada em certezas, em que o conhecimento de cada átomo permite entender tudo, como se o universo funcionasse como um relógio pontual. “Mas a incerteza é uma certeza no universo. A ciência com que trabalhamos hoje não traz uma resposta final. Ela começa e segue”, explica.

Um evento novo, como a pandemia de covid-19, faz os olhos da população se voltarem para a ciência. Diante do medo, os especialistas são ouvidos em busca de respostas. Mas o que fazer quando ainda não há informações suficientes para esclarecer as dúvidas?

O professor defende uma comunicação transparente, em que seja transmitido o que for “suficientemente verdadeiro em relação às circunstâncias em que se encontram”. Pasternak complementa: “Comunicar não é manipular a opinião pública. Deve haver honestidade. O discurso não deve ser moldado de acordo com o que o comunicador acha que a população interpretará. Deve haver honestidade”.

A decisão de se vacinar

Os fatores que impulsionam a adesão às vacinas podem ser divididos em três categorias, expôs o diretor executivo do IQC, Paulo Almeida: ambiente propício, influências sociais e motivação. No primeiro caso, encontram-se não apenas a facilidade de acesso e o horário de funcionamento das unidades, mas os custos associados — com transporte e dias perdidos de trabalho — e a qualidade do atendimento, inclusive quanto à recepção às dúvidas.  Almeida também ressaltou o chamado padrão: quando uma empresa ou escola adota a cultura da vacinação e cria alguns empecilhos para quem não quer se vacinar, mesmo que seja a exigência de preenchimento de um formulário de justificativa, a pessoa tende a se vacinar.

No que diz respeito às influências sociais, sabe-se que o comportamento humano é moldado pelo grupo. Com a vacinação, não é diferente. Pessoas que convivem com outras que não se vacinam costumam se vacinar menos e vice-versa. Nesse sentido, vale a pena empenhar-se para tornar as normas sociais favoráveis à vacinação e dialogar com líderes comunitários e outros indivíduos considerados de confiança. É o caso dos agentes comunitários de saúde. Percebe-se que, ao discutirem e incentivarem a vacinação, ajudam a aumentar a cobertura.

Já a motivação inclui fatores como a percepção de risco sobre a doença e a confiança na segurança e eficácia das vacinas. “Se as pessoas entenderem que terão apenas covid-19 leve caso sejam infectadas, podem imaginar erroneamente que a vacinação é mais arriscada”, afirma Almeida. Por outro lado, se julgarem que ao não se vacinarem colocarão em perigo a si ou alguém que amam, podem preferir se vacinar por sentirem uma espécie da culpa antecipada.

Por fim, embora seja um ponto bastante polêmico, os incentivos à vacinação têm mostrado bons resultados. Nos Estados Unidos, os estímulos oferecidos por corporações e Governo para acelerar a cobertura contra a covid-19 incluíram folgas, descontos em compras, ingressos para parques de diversão e até mesmo prêmios financeiros. Em Ohio, uma jovem de 22 anos recebeu U$ 1 milhão ao ser sorteada na loteria Vax-a-Million, uma loteria para os vacinados.

O discurso negacionista

Para explicar as estratégias de negação científica, a presidente do IQC, Natalia Pasternak, recorreu à sigla FLICC, estabelecida pelo pesquisador do Centro de Comunicação sobre Mudanças Climáticas da Universidade George Mason, nos Estados Unidos, John Cook. As letras têm os seguintes significados:

  • - fake experts (falsos especialistas):  Tratam-se de profissionais que não existem ou atuam em áreas que não conferem autoridade para falar sobre determinado assunto. Nesse grupo também estão os falsos debates e a amplificação de vozes isoladas, com o intuito de aparentar haver discordâncias entre os especialistas;
  • L – logicall fallacies (falácias lógicas): conclusões impossíveis a partir das ideias apresentadas inicialmente, falsas analogias, uso de linguagem ambígua, simplificação excessiva, ataque aos interlocutores, entre outros;
  • I – impossible expectations (expectativas impossíveis): demandar evidências inalcançáveis ou aumentar o nível de exigência após o confronto com evidências que desmontam as alegações;
  • C – cherry picking (seleção a dedo): escolher dados que confirmam o posicionamento, ignorando completamente aqueles que o contradizem, e tirar falas de determinada pessoa de contexto, para dar a entender que ela concorda com a alegação.
  • C – conspiracy theories (teorias conspiratórias): diversas estratégias, como sustentar que há esquemas para esconder a verdade da população, interesses nefastos por parte de cientistas, governos e corporações, afirmar que é vítima de perseguição, entre outros.

“Criar a narrativa negacionista é fácil porque ela é construída com base na mentira. Eles podem falar o que querem”, resumiu Pasternak, que destacou que na maioria das vezes o alvo dos grupos são os pais, em especial as mães. Ao serem bombardeados com desinformação — muitas com apelo gráfico, como crianças chorando —, eles ficam em dúvida de como agir e tomam a decisão a partir do viés de omissão: “Se a vacina causar algum problema, a culpa é minha. Caso o filho fique doente, é o acaso”.

Lidar com o negacionismo não é simples, mas há caminhos. Além de rebater as mentiras e da checagem de fatos, realizadas por agências profissionais, é possível orientar a população a respeito das características do discurso negacionista para que ela seja capaz de identificar, não acreditar e não repassar os conteúdos.

O papel da Medicina e da Enfermagem

O coordenador de comunicação da SBIm, Ricardo Machado, defende uma maior mobilização das sociedades médicas, médicos e da enfermagem. Segundo ele, antes de apresentar os argumentos a favor da vacinação, os profissionais devem ouvir os pacientes e buscar entendê-los em sua singularidade, para descobrir as raízes das dúvidas e recusa: de onde vêm os questionamentos? Estão amparados por experiências anteriores? Qual é o impacto da família e amigos na formação dos conceitos?

Machado afirma ser fundamental abandonar os jargões técnicos, que muitas vezes superam a capacidade de compreensão da população em geral, e orientar os pacientes a refletirem sobre a veracidade das informações disponíveis em sites ou via redes sociais. Uma boa opção é utilizar o método SIFT. A sigla em inglês significa pare, investigue a fonte, procure por uma cobertura confiável sobre o tema e tente entender a quem a informação pode interessar.

O jornalista acrescenta que é hora de “poluir” a internet com conteúdos corretos sobre a vacinação. “Abusem da ludicidade, contem histórias, façam enquetes; criem canais de comunicação para receber as perguntas e usem as dúvidas mais frequentes para novos conteúdos compartilhados; referenciem instituições parceiras e apoiem as iniciativas de divulgação dos associados; usem materiais produzidos por agências de checagem; atuem no território (bairros, comunidades) com parceiros locais capazes não apenas de colaborar com a adequação do discurso ao público-alvo, mas também de influenciar por meio da confiança de que já desfrutam; e criem e analisem métricas, para saber o que funciona melhor”, recomendou.

Machado destacou a importância da enfermagem também no momento da vacinação. “A escuta atenta é preciosa, tanto quanto os processos técnicos que garantem a qualidade do atendimento e do imunobiológico dispensado, por isso deve fazer parte das boas práticas em imunizações para sanar dúvidas e combater a desinformação”.