A conferência de abertura da XXV Jornada Nacional de Imunizações, “Saúde Global e sustentabilidade: uma análise do panorama atual”, foi ministrada por Deisy Ventura, professora titular de Ética da Faculdade de Saúde Pública da Universidade de São Paulo (FSP-USP) e vice-coordenadora do Programa de Pós-Graduação em Saúde Global e Sustentabilidade da universidade. Para transmitir a ideia da importância da saúde global no âmbito das imunizações, Ventura recorreu a alguns conceitos que ganharam os holofotes durante a pandemia de covid-19, embora não fossem novos nas discussões sobre o tema:
- Apartheid vacinal: assimetria no acesso a vacinas entre países ricos e de renda média baixa ou pobres ou ainda dentro de regiões de um mesmo país. A expressão foi cunhada pelo diretor Geral da OMS, Tadros Adhanom, e pode ser estendida para outras tecnologias farmacêuticas.
- Nacionalismo vacinal: aquisição de vacinas por países ricos em um número muito superior ao necessário para atender à própria população, em detrimento de outros países.
- Vacina como bem público global: conhecimento e tecnologia a serviço da humanidade, em vez de restrito a determinados países ou grupos privados.
- Diplomacia das vacinas: cooperação internacional para que as vacinas cheguem aonde precisam chegar.
- Desinformação: grupos organizados internacionalmente com o objetivo de promover o negacionismo científico e descredibilizar a vacinação.
“Não são apenas questões que envolvem ética e solidariedade. Só há segurança quando todos tiverem segurança. Se imaginamos um mundo que não interrompe a circulação de pessoas e não estende as coberturas vacinais a todas as localidades, sempre nos colocamos em posição de risco e de ineficiência na resposta a pandemias”, ponderou.
Ventura destacou que houve um grande salto nos investimentos em cooperação científica nos últimos 30 anos. Inicialmente, os recursos se concentravam predominantemente em HIV/Aids. Hoje, com exceção da covid-19, os recursos se concentram majoritariamente em saúde neonatal, infantil e reprodutiva, tendo como foco a saúde da mulher como mãe.
Embora o aumento seja positivo, é importante fazer a ressalva de que organizações particulares, em especial dos Estados Unidos, têm se tornado as principais fontes de financiamento. “Vemos com preocupação essa influência em uma área que deve obedecer à lógica pública. Muitas vezes, grupos privados contornam as organizações e modificam as prioridades de saúde do estado”, alertou.
A palestrante propôs que o Brasil passe a abordar a saúde global de forma autônoma, ou seja, sem reproduzir os manuais que vêm de países desenvolvidos. “Nós temos massa crítica, um grande sistema de saúde e um grande sistema de pesquisa que nos dão a possibilidade de construir o nosso olhar sobre a saúde no mundo. Precisamos pensar a saúde global de acordo com as nossas agendas”, ponderou.
Por fim, Ventura fez uma defesa apaixonada do Sistema Único de Saúde. “É impressionante como, ao circular internacionalmente, notamos que o mundo tem mais noção do que o SUS representa do que os próprios brasileiros. Temos dificuldades, mas em momentos de crise, como a pandemia de covid-19, percebe-se a diferença que faz o acesso universal e gratuito à saúde”, exclamou.