As perspectivas de controle do sarampo nas Américas estiveram na pauta da XXI Jornada Nacional de Imunizações, em Fortaleza. Desde o início de 2019, 14 países ou territórios pan-americanos registraram casos de sarampo, com destaque para o Brasil (2.753, de 9 de junho a 31 de agosto), Estados Unidos (1.234, de 1º de janeiro a 29 de agosto), Venezuela (417, de 1º de janeiro e 7 de agosto) e Colômbia (175, de 1º de janeiro a 7 de agosto). O Brasil e a Venezuela já perderam o certificado por não terem conseguido interromper uma mesma cadeia de transmissão no período de um ano.
Segundo a especialista em Imunizações e representante da Organização Pan-Americana de Saúde (OPAS) no Brasil, Lely Guzmán Barrera, os países da região já estão se empenhando para reverter o quadro. O Brasil, por exemplo, passou a aplicar uma dose da tríplice viral em crianças de seis meses a menores de 1 ano, a realizar a vacinação de bloqueio com busca ativa nas áreas de surto e a disponibilizar às unidades da federação cápsulas de vitamina A para minimizar o risco de agravamento em episódios suspeitos em bebês menores de seis meses. Para tanto, o Ministério da Saúde encaminhou com o Fundo Rotatório da OPAS a compra de 47,7 milhões de doses.
Os desafios, todavia, são muitos. Em 2018, dos 35 países e territórios membros da OPAS apenas 16 obtiveram cobertura acima de 95% para a primeira dose da tríplice viral. No que diz respeito à segunda, o resultado foi ainda pior: somente oito atingiram a meta, e 19 não chegaram a 80%, incluindo o Brasil. “Infelizmente, mesmo quando as coberturas gerais são muito boas, a situação de homogeneidade, em nível municipal ou até de bairros não é. Estima-se que 74% das crianças residam em cidades onde a cobertura para a primeira dose da vacina contra o sarampo é inferior a 80%”, lamenta. Além disso, embora a região seja a mais avançada do mundo em termos de vacinação, alguns compromissos firmados não foram cumpridos até o momento.
Criado em 2017, o “Plano de ação para assegurar a sustentabilidade da eliminação do sarampo, rubéola e síndrome da rubéola congênita nas Américas 2018-2023” é baseado em quatro pilares: manutenção de coberturas para ambas as doses da tríplice viral superior 95%, fortalecimento da vigilância epidemiológica, treinar equipes e adotar mecanismos padronizados para a resposta rápida diante de casos importados de sarampo, bem como criar comitês nacionais de monitoramento da doença. “Apenas 14 dos associados implementaram os comitês”, indicou Guzmán.
A representante da OPAS também afirmou que, a partir de agora, os membros deverão entregar à organização, no início de cada ano, relatórios para comprovar que as diretrizes do plano estão sendo seguidas. Os países endêmicos que solicitarem novo certificado de eliminação, por sua vez, precisarão documentar a interrupção de circulação do vírus por um período de 12 meses de forma ainda mais criteriosa.
Demanda crescente
A ocorrência de surtos de sarampo simultâneos em diversas localidades tem desafiado o mercado farmacêutico. Em um primeiro momento, Barrera não acredita que os sistemas públicos de saúde da América sofrerão com a falta de vacinas que previnem a doença — as clínicas privadas já vivenciam o problema —, mas disse que, diante do cenário desafiador previsto para os próximos anos, os laboratórios já foram solicitados a intensificar a produção.
O diretor do Fundo Rotatório da Opas, John Fitzsimmons, que proferiu uma das palestras mais aguardadas da XXI Jornada Nacional de Imunizações, revelou que a compra emergencial de vacinas feita pelo Brasil demandou um grande trabalho de articulação. Isso porque, com os estoques comprometidos em todo o planeta, foi necessário negociar o redirecionamento de doses que seriam entregues para outros países.
“Precisaremos de um alto nível de planejamento para antecipar essa demanda e minimizar o risco de desabastecimento”, avaliou Fitzsimmons, que revelou que está marcada para a semana de 08 de setembro, em Washington, uma reunião com diversos atores de peso internacional. Entre eles estão os Centros de Controle e Prevenção de Centros de Controle e Prevenção dos Estados Unidos (CDC), o Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef), representantes das seis regiões da Organização Mundial da Saúde (OMS) e outros.
“É uma grande oportunidade estar aqui [na Jornada] para ouvir o que está acontecendo no Brasil e saber melhor como interagir. Ninguém pode agir sozinho”, elogiou.