Ao mesmo tempo em que trazem inúmeros benefícios, as novas plataformas de comunicação representam um grande desafio para a ciência, notadamente na área de vacinas. O processo de transmissão da informação ao grande público, antes restrito a veículos que consultavam especialistas e reportavam as questões de forma ética, ganhou novos atores. Infelizmente, isso abriu espaço para discursos equivocados, disseminados por pessoas que não conhecem o tema ou têm interesses escusos. E na pandemia de Covid-19 tudo se agravou. O cenário foi debatido durante a XXIII Jornada Nacional de Imunizações.
De acordo com um levantamento da Organização Pan-Americana de Saúde (OPAS), houve um crescimento de 60% na divulgação de conteúdos antivacinação após a emergência do Sars-Cov-2. Paralelamente, o Centro de Combate ao Ódio Digital (CCDH, na sigla em inglês) constatou em julho de 2020 que 409 páginas no Facebook que lucravam com o antivacinismo somavam mais de 28 milhões de seguidores. Apenas entre maio e junho, 854 mil novos usuários passaram a acompanhá-las.
Os números traduzem uma realidade que é facilmente perceptível no dia a dia. Rotineiramente somos confrontados com mensagens que questionam a eficácia e a segurança das vacinas Covid-19, incluindo boatos que seriam engraçados, se não fossem trágicos: que as vacinas contêm chips 5G, tornam as pessoas magnéticas, transformam em jacaré, aumentam seios, entre outros.
Reverter o cenário não é simples. Um estudo publicado na revista Nature em maio de 2020 mostrou que os indivíduos contrários à vacinação, embora minoria, têm maior capacidade de mobilização e de atingir os indecisos do que os a favor. Além disso, profissionais da saúde, que são apontados por inúmeros trabalhos como os principais motivadores para uma pessoa se vacinar estão longe de contribuir como deveriam.
Para Isabella Ballalai, vice-presidente da Sociedade Brasileira de Imunizações (SBIm) e integrante do grupo consultivo da Vaccine Safety Net, da Organização Mundial da Saúde (OMS), é preciso repensar a estratégia de comunicação. “Falta comunicação nesse país, nós temos avisos. Isso é importante, claro, mas é necessário mais. Precisamos ser proativos e dialogar de forma empática e impactante com a população. Inclusive sobre como não cair no conto das fake news”, afirmou.
Iniciativas SBIm
O coordenador de comunicação da SBIm, Ricardo Machado, trouxe à tona números da pesquisa "As Fake News estão nos deixando doentes?”, realizada pela SBIm e a Avaaz em 2019. Na ocasião, foi constatado que as atitudes, a percepção de risco e o desconhecimento sobre vacinas eram mais frequentes entre os entrevistados que incluíram as redes sociais na lista de principais referências sobre o tema.
“Trata-se de um grande desafio. É necessário trabalhar a imagem das fontes como autoridade no assunto, comunicar de forma atenta e relevante, jamais omitir informações — sobre eventos adversos, por exemplo — e ficar atento ao que acontece para entender e atender às demandas do público”, analisou.
Também em 2019, Ballalai representou a SBIm em uma reunião da VSN com o Facebook, Instagram, Pinterest e Youtube. A iniciativa trouxe avanços interessantes. As plataformas, usando estratégias distintas, implementaram mecanismos que permitem identificar conteúdos falsos, fecharam parcerias com entidades científicas e agências de checagem de fatos, e facilitaram o impulsionamento de conteúdos corretos sobre vacinas.
Em parceria, a SBIm, o Facebook e o Instagram lançaram a campanha Vacinas Salvam Vidas, que contou com um guia, filtro para stories e vídeos com a participação de representantes da SBIm e personalidades, como as atrizes Leandra Leal e Camila Pitanga, a cantora Gaby Amarantos, o apresentador Marcos Mion e outros. Confira alguns exemplos:
ConfíaLA
Em dezembro de 2020, a SBIm, o Centro para la Prevención y Control de Enfermedades Transmisibles (CEPyCET) de la Univarsidad Isalud, da Argentina, e a Sociedad Argentina de Vacunología y Epidemiología (SAVE) lançaram o projeto Confianza en Las Vacunas LatinoAmerica (ConfíaLA). Participam da mobilização internacional, que busca resgatar a confiança nas vacinas na região, 16 países: Argentina, Belize, Bolívia, Brasil, Chile, Colômbia, Costa Rica, Equador, El Salvador, México, Pànamá, Paraguai, Peru, República Dominicana, Uruguai e Venezuela.
O plano de ações do ConfíaLA foi traçado a partir do consenso de que é necessário abrir um amplo canal de difusão de informações corretas sobre vacinação. A estratégia inclui:
- Redes sociais: postagem de vídeos e outros conteúdos no Facebook, Instagram, Twitter e Youtube.
- Site especial:https://confianzaenlasvacunasla.org/. Com proposta semelhante ao do Família SBIm, é um espaço de atualização constante tanto para profissionais da saúde quanto para a população. Reúne dados sobre as vacinas disponíveis, segurança, etapas de desenvolvimento, doenças imunopreveníveis e respectivas situações epidemiológicas, calendários dos países da região, uma seção especial sobre COVID-19, entre outras informações. Tudo ricamente ilustrado e apresentado de forma didática.
- Relacionamento com a imprensa e outros comunicadores: envio de releases, sugestão de pautas e realização de workshops.
- Atuação no meio científico: investigar a situação atual da confiança em vacinação e dos motivos da não adesão na América Latina; realizar encontros virtuais periódicos; produzir vídeos instrutivos, incorporar o tema em eventos e elaborar um posicionamento a ser divulgado em uma publicação científica de referência.