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Especialistas se reúnem para debater o fenômeno da hesitação vacinal no Brasil

O Brasil tem vivenciado dificuldades com relação às coberturas vacinais que vêm apresentando queda desde 2016, questão que se agravou com a pandemia de Covid-19 no país em 2020. Diversos aspectos estão relacionados, mas a hesitação vacinal vem se fortalecendo como uma das principais preocupações dos gestores e pesquisadores nacionais e internacionais.

Diante do cenário, diversos especialistas em imunização se reuniram em São Paulo, em novembro, em evento organizado pelo Ministério da Saúde, para debater os desafios impostos pela hesitação vacinal - que é o atraso em aceitar ou a recusa das vacinas, mesmo com sua disponibilidade nos postos de vacinação.

Para o secretário de Vigilância em Saúde do Ministério da Saúde, Arnaldo Medeiros, discutir “hesitação em vacinação num processo pandêmico é extremamente relevante, em especial na adolescência, porque sabemos a importância da vacinação para eliminação de doenças”, destacou.

Entre os presentes foi consenso a importância da comunicação para reverter o quadro problemático das baixas coberturas vacinais. Para os pesquisadores, a comunicação é uma aliada na construção de conhecimento e informação sobre os benefícios da vacinação. “Trabalhar em conjunto com a mídia, agir de forma mais ativa nas redes sociais buscando fomentar a importância da vacinação, criar redes de apoio na articulação da disseminação da informação correta e reverter os efeitos negativos das notícias falsas fazem parte de um processo fundamental para elevar a vacinação em todo o mundo”, destacou Noni MacDonald, médica canadense e membro do Comitê Pan-americano de Vacinação Segura da OMS.

Hesitação vacinal

O tema vem sendo discutido há algum tempo. A Organização Mundial de Saúde (OMS) listou a hesitação vacinal entre as dez ameaças globais à saúde. Para ilustrar esse cenário, pode-se observar a cobertura vacinal para vacina HPV entre meninas de 9 a 14 anos de idade. Atualmente, o índice para primeira dose da vacina para esse público no Brasil está em 83,4% e para a segunda dose em 55,6%. A meta é de 80% para ambas as doses. A situação é ainda mais preocupante entre os meninos de 11 a 14 anos, cuja cobertura atinge apenas 57,9% para a primeira dose e 35,6% para a segunda dose. Essa vacina é uma das mais afetadas pelas fake news.

Historicamente, já estão comprovados os efeitos negativos das baixas coberturas vacinais no aumento de casos de diversas doenças ou até mesmo no ressurgimento de doenças eliminadas, como foi o caso do sarampo no Brasil.

Em 2016, o País recebeu da Organização Pan-Americana de Saúde (Opas) o Certificado de Eliminação do Sarampo no Brasil, mas perdeu a conquista devido a reintrodução do vírus no território nacional. Isso se deu devido aos chamados “bolsões” de não vacinados, que são pessoas qnão imunizadas que estão susceptíveis à doença. Em 2020, foram confirmados 8.448 casos e dez óbitos por sarampo no Brasil.

Para a pediatra do Programa Nacional de Imunizações do Ministério da Saúde (PNI/MS) Ana Goretti Kalume Maranhão, “é absurdo ainda termos óbitos para uma doença que possui uma vacina comprovadamente segura e eficaz”, alertou. Ana Goretti destacou ainda que “é preciso criar novas estratégias capazes de trazer de volta a população aos postos de vacinação, combatendo problemas estruturais, como os horários de atendimento nos serviços de saúde de vacinação, ter um atendimento ao adolescente com mais tempo e criatividade, como também no combate às chamadas fakes news, que são altamente disseminadas e prejudicam exponencialmente as ações de imunização”, disse.

Além das fake news outros fatores impactam na queda das coberturas vacinais. É o caso de questões sociais, culturais, religiosas e econômicas em que a população está inserida e que pode influenciar na ida ou não desses adolescentes aos postos de vacinação.

Na busca de soluções para esse desafio, os especialistas discutiram questões que podem impactar diretamente na percepção da importância da vacinação para os adolescentes. Para o pesquisador da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, especialista em adolescência e representante da SBIm no Rio Grande do Sul, Ricardo Feijó, as estratégias devem ser colaborativas e abranger não só o setor da saúde, mas também a educação e a comunicação. “Precisamos fazer uma comunicação assertiva, especialmente para os jovens. É necessário agir de forma proativa, produzir mensagens personalizadas para cada público, ser claro e mostrar que o que está sendo dito é verdade”, destacou.

Ações pontuais

As implicações éticas e legais dos aspectos da vacinação também foi ponto de debate durante o evento. Com a participação da promotora da Infância e Juventude da capital de São Paulo, Luciana Bergamo e do procurador Civil do Ministério Público de SP, Eduardo de Souza Ferreiras foram discutidas como as questões jurídicas podem ajudar na busca de soluções para reverter a hesitação vacinal na adolescência.

Ações pontuais já estão sendo feitas para driblar a questão. Em São Paulo, a Secretaria Municipal de Saúde e a Secretaria Municipal de Educação publicaram uma portaria que torna necessário que responsáveis por crianças e adolescentes apresentem o comprovante de vacinação no ato da matrícula escolar. “A medida não é impeditiva para matricular o menor na escola, mas garante que haja um fluxo de acompanhamento daquela criança e adolescente para que, caso o comprovante não seja apresentado, os serviços de saúde possam rastrear e fazer a busca ativa para captar esse jovem. Assim, ele pode receber as vacinas disponíveis para sua faixa etária”, explicou Luciana Bergamo. Outros estados, Paraná e Espírito Santo, têm iniciativas semelhantes.

Impactos das fake news

Uma pesquisa da Sociedade Brasileira de Imunizações (SBIm) em parceria com a Avaaz buscou estudar a percepção dos brasileiros sobre a vacina e como as fontes de informação impactam nas escolhas de vacinar ou não. A pesquisa foi realizada em 2019 com cerca de 2 mil pessoas a partir de 16 anos de idade.

Para se ter uma ideia do cenário atual no impacto das notícias falsas sobre vacinas, sete a cada 10 brasileiros acreditam em alguma mensagem errada ou falsa sobre a vacinação. Isso impactou diretamente na decisão de se vacinar ou levar alguma criança para tomar a vacina. Segundo a pesquisa, 13% da população brasileira deixou de se vacinar por conta de uma informação falsa, o que representa mais de 21 milhões de pessoas.

Para a Diretora da SBIm Mônica Levi, a pesquisa constatou que “é necessário ampliar o repertório de informações disponíveis no meio digital sobre a importância, segurança e eficácia das vacinas e ampliar as parcerias de mobilização social na busca de soluções para combater a desinformação na área da vacinação”, destacou.

Reação psicogênica pós-vacinal

Outro fator apontado pelos profissionais de saúde como importante para a hesitação vacinal entre adolescentes são as reações psicogênicas relacionadas à vacinação, definidas pela OMS como um “conjunto de sintomas que se desenvolvem em resposta ao estresse (medo, ansiedade) associado à vacinação, e são decorrentes da combinação de fatores biológicos, sociais e psicológicos”.

Essas reações incluem convulsões não epilépticas, reações de estresse agudo e até mesmo desmaios. Diferentemente dos demais EAPV, que ocorrem após a vacinação, as reações de estresse também podem ocorrer antes e durante a aplicação da vacina.

Na reunião foram apresentadas e discutidas as experiências já vividas no país, os fatores relacionados no contexto brasileiro e as características da reação de estresse (psicogênicas) desencadeada pela vacinação, com ênfase nos adolescentes e adultos jovens. A imunologista Ana Karolina Marinho (SECOVID/MS) apresentou dados recentes sobre as reações psicogênicas observadas com as atuais vacinas covid-19 no Brasil e em outros países. A especialista chama atenção para o fato de que alguns sintomas psicogênicos podem ser confundidos com reações alérgicas e a interpretação errada da causa do evento adverso pode gerar atrasos e perda na oportunidade de vacinação futura para o indivíduo.

Durante as discussões, os especialistas ressaltaram que o registro de surtos de reações psicogênicas notificados em alguns países e no Brasil vem acompanhado de muita desinformação e divulgação pela mídia de notícias equivocadas. Segundo o representante do Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas FM-USP, José Gallucci Neto, os profissionais de saúde têm papel fundamental no processo de auxiliar esses adolescentes na hora da vacinação a fim de evitar esses efeitos. “Uma abordagem empática, a não desqualificação do medo do adolescente com relação à vacinação e  estratégias diferenciadas no atendimento podem auxiliar nesse processo”, afirmou.

O evento aconteceu entre 17 e 18 de novembro, no Instituto de Psiquiatria da Universidade de São Paulo. Participaram da reunião representantes da OPAS/OMS, Anvisa, Secretaria de Vigilância em Saúde (SVS/MS), Secretaria de Atenção Primária em Saúde (SAPS/MS), SECOVID, Conselho Nacional de Secretários Estaduais de Saúde (CONASS), Sociedades Científicas (Imunização, Pediatria, Ginecologia e Obstetrícia, Infectologia, Saúde da Família, Reumatologia, Psiquiatria), Procuradoria Pública do Estado e Município de São Paulo, Comitê Interinstitucional de Farmacovigilância de Vacinas, e outros Imunobiológicos (CIFAVI), Centro de Referência em Imunobiológicos Especiais (CRIEs) e Laboratórios Produtores.