A SBIm e o Instituto Questão de Ciência (IQC) realizaram, em Brasília, no dia 4 de agosto, a segunda edição do evento “Desafios de Comunicação em vacinas no ambiente pós-confiança”. O objetivo do encontro foi debater as causas da hesitação vacinal e estratégias para enfrentá-la, especialmente diante de um contexto no qual a desinformação é disseminada com cada vez mais agilidade.
“Há algumas décadas, era impensável que seria preciso convencer a população sobre a necessidade de as pessoas se vacinarem. Com o controle de doenças imunopreveníveis, no entanto, a população perdeu e percepção de risco e passou a prestar mais atenção em eventos adversos raros”, analisa o vice-presidente da SBIm, Renato Kfouri. O cenário, junto a outros fatores como dificuldade de acesso e horários de atendimento restritos, levou à queda nas coberturas vacinais no Brasil. Atualmente, além de ter perdido o certificado de eliminação do sarampo, o país está sob alto risco de retorno da poliomielite.
O início da pandemia de covid-19 acentuou a queda nas coberturas vacinais e amplificou as discussões a respeito das vacinas. Uma sociedade que frequentou um sistema educacional baseado em certezas absolutas foi confrontada com os fatos de que nenhuma vacina é 100% eficaz e que a ciência não é fundamentada em pilares imutáveis.
O resultado foi um pico de hesitação, facilitado pela infodemia, conceito definido pela OMS como o excesso de informações, algumas precisas e outras não, que tornam difícil encontrar fontes idôneas e orientações confiáveis quando necessário. “A infodemia e a desinformação matam. É preciso gerenciar o problema como uma emergência em saúde pública, com abordagem coordenada e multidisciplinar”, aponta Isabella Ballalai, diretora da SBIm e coordenadora do encontro.
A hesitação vacinal é alimentada por uma indústria que depende do descrédito da ciência para sobreviver. São grupos negacionistas que estimulam o medo e vendem a suposta solução, seja na forma de tratamentos alternativos, curas milagrosas e até mesmo venda de conteúdo. As pessoas, em especial as mães, são vítimas de um discurso que estimula a culpa. Em resumo, caso um evento adverso importante ocorra - ainda que a probabilidade seja baixíssima – elas se sentirão responsáveis, ao passo que os riscos das doenças são encarados como algo alheio ao controle.
A presidente do IQC, Natália Pasternak, que classifica os negacionistas como “mercadores de ilusões”, ressalta que para lidar com emoções não é suficiente apenas transmitir informações. “É preciso saber comunicar as incertezas, os processos científicos, identificar o tipo de desinformação ao qual o paciente foi exposto, acolher e explicar, sempre de forma empática. O que é óbvio para o profissional da saúde não é para a população”. Além disso, Pasternak defende que é necessário cobrar transparência dos órgãos públicos, fornecer subsídios para o público detectar o discurso antivacinista e estar pronto para desmentir as fake news.
Comunicação
Investir em comunicação é fundamental para a retomada das coberturas vacinais. Nesse sentido, o coordenador de comunicação da SBIm, Ricardo Machado, entende que as iniciativas de comunicação devem ter abordagens diferentes para atingir as três categorias de hesitantes: os que acham que não precisam se vacinar; os que entendem que precisam, mas não confiam; e os que simplesmente não querem se vacinar.
“No primeiro caso, o caminho é trabalhar a percepção de risco. Para o segundo, enfatizar a comunicação sobre segurança e eficácia e, para o terceiro, trabalhar o conceito de responsabilidade pessoal, social e coletiva. As campanhas “Raiva Mata” e “Paralisia Infantil – a ameaça está de volta” são exemplos de ações da SBIm nesse sentido. Recorremos aos aspectos sentimentais, mas somos incisivos. Infelizmente, falar que a vacinação aumenta a longevidade e qualidade de vida não basta”, explica.
Machado também defende ações dirigidas e segmentadas, com foco nas singularidades de cada região. O Projeto de Reconquista das Altas Coberturas Vacinais, parceria entre a SBIm e Bio-Manguinhos/Fiocruz, é uma demonstração do potencial de êxito desta estratégia. A Paraíba e o Amapá, onde o programa foi iniciado, obtiveram as mais altas coberturas vacinais do país já na primeira campanha contra influenza após o início do projeto.
“Contamos com a cooperação de instituições locais para desenvolver diversas dinâmicas interessantes. Entre elas, oficinas teatrais para populações indígenas no Amapá — com o apoio do Pet-Indígena da Universidade Federal do Amapá (Unifap) e do Conselho dos Caciques dos Povos Indígenas do Oiapoque (CCPIO) — e a formação de jovens repórteres em favelas de João Pessoa, com o apoio da Central Única das Favelas (CUFA) da Paraíba, listou. Outra importante iniciativa foi a campanha realizada pelo projeto ONU Verificado na comunidade do Jurunas, em Belém do Pará, com o suporte técnico da SBIm.O Ministério da Saúde também investe em comunicação para combater a desinformação e incentivar os brasileiros a se vacinarem. O principal projeto é o Movimento Nacional pela Vacinação, que engloba desde inserções em veículos de abrangência nacional à mídia local, incluindo rádios comunitárias e outdoors em Unidades Básicas de Saúde e comunidades periféricas.
Os embaixadores do Movimento incluem esportistas, atores, cientistas, músicos e, como não poderia deixar de ser, o carismático Zé Gotinha. “Levamos o Zé Gotinha para inúmeras ações públicas. Ele esteve na Marquês de Sapucaí, na Parada Gay de São Paulo, tocou tambor com o Olodum na Bahia e visitou comunidades indígenas. Em todas as ocasiões foi bem recebido”, contou José Edgard Rebouças, coordenador-Geral de Projetos de Vigilância em Saúde do Ministério da Saúde.
Além disso, o Ministério tem intensificado a produção de conteúdo em meios digitais, monitorado conteúdos fraudulentos nas redes sociais e na imprensa, dialogado com setores de responsabilidade social dos grupos Google, Meta, Amazon, TikTok, Twitter, Kwai e Pfizer, e trabalhado em outras frentes, ainda a ser divulgadas.
Participaram do evento “Desafios de Comunicação em vacinas no ambiente pós-confiança” representantes do Ministério da Saúde, Organização Pan-Americana da Saúde (OPAS), Fundo das Nações Unidas para a Infância (UNICEF), Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), Conselho Nacional de Secretarias Municipais de Saúde (Conasems), Ministério Público do Estado de São Paulo, sociedades brasileiras de Infectologia (SBI), Geriatria e Gerontologia (SBGG), Reumatologia (SBR), Medicina Tropical, além de jornalistas.